Quando muito é demais e pouco é muito pouco: o desafio de encontrar o equilíbrio.
- Matias Alvez de Oliveyra
- 25 de abr.
- 6 min de leitura

O treino é a principal ferramenta para desenvolver o potencial atlético de uma pessoa. A combinação adequada de variáveis é capaz de torná-la mais forte, resistente, flexível e competente em determinada atividade. No entanto, devido ao excesso de informações disponíveis, há muita confusão sobre o que realmente significa treinar.
Antes de tudo, é importante esclarecer dois conceitos fundamentais para quem deseja se exercitar ou já o faz de forma intuitiva: intensidade e volume. A intensidade do exercício pode ser quantificada de forma subjetiva — baseada na percepção do praticante sobre o esforço — por meio de escalas específicas, e também de maneira objetiva, utilizando carga, frequência cardíaca, velocidade de execução, entre outros parâmetros. Já o volume representa a quantidade de exercício realizado, podendo ser medido, mais comumente, em tempo, distância, número de séries e repetições.
Com a popularização das academias, muitas pessoas passaram a associar o termo “treino” ao uso de máquinas, ambientes fechados, suor e lágrimas. Na verdade, treinar consiste em realizar exercícios programados com o objetivo de melhorar o desempenho em uma atividade específica.
O treino de força, sem dúvida, é uma das melhores ferramentas para dar suporte às mais diversas atividades físicas — como pedalar, correr, lutar ou mesmo executar tarefas do cotidiano. No entanto, ele não substitui a prática específica da modalidade. Desenvolver habilidades em uma determinada prática exige compreender a condição atual do praticante e traçar metas realistas. A grande pergunta é: qual é a dose ideal para gerar adaptação sem provocar efeitos colaterais, como lesões?
É um consenso que atletas mais fortes têm menores chances de se lesionar, enquanto pessoas frágeis e com baixos níveis de força são as que mais sofrem com sobrecarga fisiológica e mecânica. Isso implica, na prática, que pessoas mais treinadas suportam volumes e intensidades maiores, enquanto os menos treinados devem se concentrar em estímulos mais leves e progressivos.
Hoje, temos diversas métricas para avaliar os efeitos do treinamento praticamente em tempo real. Entre as mais utilizadas estão:
Percepção Subjetiva de Esforço da sessão (sPSE)
Escalas de fadiga e/ou recuperação
Frequência cardíaca e sua variabilidade
Velocidade de execução (VBT)
Testes de salto
Esses dados ajudam a refinar a prescrição e a tomada de decisão. Com a análise contínua, é possível saber se intensidade e volume estão adequados, usando, por exemplo, a relação carga aguda:crônica associada à fadiga como indicador de risco de lesão ou destreino.
Implementar esse tipo de monitoramento em academias ou com praticantes amadores seria ideal, mas essa realidade ainda está distante. Além do esforço necessário para coletar e analisar os dados, muitos praticantes não demonstram interesse em entender o que está acontecendo com o próprio corpo. Isso exige tempo e disciplina — o que contraria a mentalidade do “tudo ou nada”, que ainda é popular na sociedade.
A cultura do “sem dor, sem ganhos” — que, na verdade, deveria ser “sem esforço, sem ganhos” — foi popularizada pelo fisiculturismo e acabou se consolidando como um mantra entre praticantes de diversas modalidades esportivas. Na musculação, essa mentalidade se transformou em uma verdadeira barreira entre o conhecimento técnico/científico e o senso comum. Frases como “se não for para morrer, eu nem venho” ainda são ouvidas com frequência em academias e entre atletas, refletindo uma visão distorcida sobre o que realmente é treinar com inteligência.
Por outro lado, há quem evite qualquer sinal de desconforto, como se aquecer o corpo fosse um risco de colapso iminente. A frase “hoje vamos de leve, estou com...” se repete diariamente, revelando um receio exagerado diante do esforço físico.
Na Motion, utilizamos um sistema que nos permite identificar o nível de treinamento de cada pessoa, buscando unir o útil ao agradável. Desenvolvemos treinos que são desafiadores, mas não extremos — respeitando os objetivos e as necessidades de cada indivíduo.
A maioria das pessoas que nos procura já apresenta algum tipo de problema — seja dor, limitação funcional ou frustração com os resultados. Está cada vez mais raro encontrar pessoas que buscam, de fato, melhorar o desempenho físico, o que torna o processo de prescrição e orientação ainda mais complexo do que já é.
Também encontramos aqueles que preferem seguir conselhos de amigos, informações de blogs sem respaldo ou replicar rotinas de atletas em um patamar completamente diferente de condicionamento. Muitas vezes, essas pessoas não estão abertas ao nosso conhecimento técnico ou à experiência que acumulamos. E, curiosamente, os resultados quase sempre se repetem: ou a pessoa se lesiona por ir rápido demais, ou nunca atinge o esforço necessário para evoluir.
A verdade é que não se pode esperar o desempenho de uma Ferrari partindo de um Fusca — ou mesmo de um carro esportivo com menor potência. Além disso, para os mais velhos, o tempo traz mudanças físicas importantes, moldando o corpo conforme as necessidades e experiências vividas ao longo dos anos. Isso torna o início de uma atividade com maior volume e intensidade um processo de adaptação lenta, que não deve ser encarado com frustração, mas sim de forma positiva. Em alguns meses — ou anos — essa jornada pode se transformar em momentos de verdadeira alegria. Para isso, é importante lembrar que anos de abuso mental e físico não podem ser recuperados em apenas algumas horas de exercício acumulado. O cenário é bem diferente daquele de um jovem, que costuma apresentar ganhos de desempenho em velocidade impressionante.
Já perdi a conta de quantas vezes orientei clientes a começarem com calma e baixo volume — seja com uma simples caminhada ao redor do quarteirão, uma corrida leve ou até mesmo um jogo de tênis recreativo. Não adianta sair do zero e partir direto para 50 minutos de atividade específica. Independentemente da modalidade, aquilo a que o corpo não está acostumado é o que mais tende a causar desconforto e lesões. É como aquele cara que ama jogar futebol, mas não faz nada há anos — bastam poucos minutos em campo para estirar a coxa e sentir dor no corpo todo no dia seguinte, como se tivesse levado uma surra.
Mesmo que pareçam poucos, 50 minutos representam um aumento gigantesco no volume, de uma hora para outra — independentemente da intensidade. Esse salto pode gerar um estresse enorme no organismo, devido à demanda de rápida desaceleração e aceleração dos esportes, além da diversificação do recrutamento muscular em diversos planos de movimento, levando à desistência antes mesmo que a pessoa experimente os benefícios da prática regular.
Não há vergonha em começar devagar e com inteligência. O corpo se adapta sem precisar de exigências absurdas. Existem pessoas fora da curva, sim, mas a maioria está dentro dela. Se a atividade tem gasto energético acima do normal, exige coordenação motora e ativação muscular elevada, já é suficiente para promover melhoras. Não é necessário sair de cada treino com a sensação de que não conseguirá se mover novamente — isso é simplesmente loucura.
Ao invés disso, o melhor caminho é entender os próprios limites e aprender a dosar o esforço. E é aí que entra a importância de quantificar o exercício de forma individual.
Faça o seu exercício — se está começando, vá com calma!
Ao final da sessão, dê uma nota de 0 a 10 para o esforço percebido, usando a escala abaixo (figura 1).

Figura 1 - Escala de Borga CR10 adaptada Intercale dias de treino leve a moderado com dias moderado a intenso.
Ao acordar, avalie sua fadiga com a escala de fadiga. Se estiver exausto, faça algo leve e curto. Se estiver bem, siga o plano (figura 2).

Figura 2 - Escala de fadiga adaptada Crie um diário de atividades ou, ao menos, anote no calendário o tipo de exercício realizado e sua duração.
Aos poucos, você verá seus níveis de desempenho, disposição e bem-estar subirem.
Sei que parece trabalhoso, mas não é. Fazer essas anotações é o primeiro passo para ganhar consciência. Talvez, com o tempo, não precise mais delas, já que desenvolverá ótimo autoconhecimento — mas, acredite, a maioria das pessoas não tem. Ainda sou da opinião de que, se alguém precisa de alguma tecnologia para saber como se sente, é porque realmente não tem conexão alguma com o seu corpo. Além de uma ótima ferramenta de monitoramento de treino, esse registro é um exercício excelente para se conhecer melhor.
Um forte abraço e bons treinos,
Matías






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